ANALYSIS OF THE PAPER “PERIPHERAL DEPRESSIONS AND SEMIARID DEPRESSIONS IN NORTHEAST BRAZIL”, BY AZIZ AB´SABER (1956) / ANÁLISE DO ARTIGO “DEPRESSÕES PERIFÉRICAS E DEPRESSÕES SEMIÁRIDAS NO NORDESTE DO BRASIL”, DE AZIZ AB´SABER (1956)
DOI:
https://doi.org/10.29327/Resumo
O termo depressão foi ampla, e quase que exclusivamente, usado pela geomorfologia brasileira ao longo do século XX para definir as superfícies de aplainamento erosivo rebaixada em relação aos planaltos e montanhas que os circundavam. Esta enorme utilização se deve em maior parte pela forte influência do maior expoente nacional dessa ciência, Aziz Nacib Ab’Sáber.
No texto clássico de 1956 do grande mestre, estes relevos, que têm sua maior proeminência no semiárido brasileiro, são tratadas como uma “rêde de depressões periféricas elaboradas após o Cretáceo no Nordeste do Brasil, em torno do velho maciço da Borborema”. Nas palavras de Ab’Sáber estas depressões periféricas foram esculpidas em fases de climas mais úmidos do Paleógeno, situando-se principalmente a norte, oeste e sudoeste daquele planalto. O autor afirma, inclusive, que as áreas tiveram drenagem endorréica antes da instalação dos climas semiáridos a partir do Pleistoceno.
O relevo nordestino teria tido apenas topos cristalinos nos maciços de Garanhuns e de Teixeira, “ilhados” por sedimentação das bacias mesozóicas, que foram erodidas pela drenagem centrífuga que se apresenta atualmente.
Ab’Sáber se dedica ao estudo dos setores, norte, oeste e sul, uma vez que no setor oriental da Borborema a “subsidência e o tectonismo quebrantável cretáceo muito interferiram na estrutura e no relevo regionais, conforme o grande Hartt já atinara (1870; 1941, p. 520)”, razão pela qual não haveria ali as extensas depressões que circundam a Borborema atual.
O texto chega a realizar afirmações a respeito da paleontologia da área, em especial à provável causa da extinção da megafauna pleistocênica na região. “As ossadas fósseis encontradas em inúmeras dessas páleo-“ bajadas” são suficientes, a nosso ver, para documentar a paisagem pretérita e fornecer uma idéia da extrema aridez que culminou com o extermínio da fauna pleistocênica regional”.
O autor apresenta ainda ideias como a desertificação sendo acentuada pelo pisoteio, quando apresenta foto de área de pequenas colinas “que lembram a morfologia clássica da superfície de uma “cesta de ovos” entre os sertões da Paraíba e Ceará.
Voltando estritamente à geomorfologia da área, o texto propõe que os processos de pedimentação lentos ao longo do pleistoceno criaram uma pediplanação regional no entorno da Borborema e entre ela e outros planaltos com as chapadas da Ibiapaba e Apodi, “A morfologia das depressões semi-áridas intermontarias do interior do Nordeste Brasileiro é inconfundível”.
São citados muitos setores dessas “depressões intermontanas”, mas chama atenção as diversas referências à Depressão de Patos, absolutamente clássica nas descrições do autor. Muitos geomorfólogos dos dias de hoje fazem questão de conhecer a região sempre que têm oportunidade, e são muitos os relatos de lembrança desses pesquisadores aos textos de Ab’Sáber em referência à região,
Já tivemos oportunidade de referir o exotismo dos campos de “inselbergs” da baixada semi-árida de Patos, na Paraíba, os quais só encontram similares, no Brasil, quando comparados com a paisagem dos “inselbergs” da região de Milagres, ao sul do médio Paraguaçú, no Estado da Bahia.
A situação atual da da área seria de depressões semiáridas, em clima mais brando do que os dos “desertos intermontanos” do Pleistoceno, o acréscimo de precipitação pós-Pleistoceno teria reinstalado a drenagem exorréica, conforme o padrão atual.
Nas conclusões o autor faz proposições sobre a delimitação do semiárido brasileiro, ele chega a afirmar que “Ao invés de um polígono das secas temos uma rede de semiaridez em grande parte coincidindo com as depressões semiáridas”, enfatizando que entre elas existem as famosas “ilhas” de umidade do Nordeste, “situadas sistematicamente em saliências dos planaltos cristalinos e dos alinhamentos de “cuestas” regionais, mas tão exclusivamente nas ladeiras e escarpas cujo “front” se volta para Leste e Sudeste”.
A leitura ainda hoje nos permite perceber a genialidade de Ab’Sáber, o texto vai muito além da Geomorfologia, especialidade maior do mestre, mas dialoga com palegeografia climatologia, geologia, biogeografia e paleontologia, só para citar algumas das ciências mais evidentes no texto.
Lembro que o texto é de 1956, ano exatamente anterior ao lançamento do satélite Sputinik ao espaço, por óbvio não havia imagens satélite e eram restritas as fotografias aéreas bem como estudos de datação para tamanha precisão demonstrada para a época. O grosso do trabalho era de interpretações de dados obtidos em campo, percorrendo o sertão nordestino nas condições de transporte que a época permitia.
É obvio que muito se avançou deste então na compreensão da morfologia do Nordeste semiárido, o que não tira o brilhantismo do texto. Citamos circunstâncias desconhecidas na época como a datação de sedimentação terciária em alguns topos de planaltos da Paraíba e Rio Grande do norte (Fomação Serra do Martins), o soerguimento do Domo Borborema no Paleógeno, a drenagem do Rio Piancó-Piranhas-Açú que foge do padrão centrífugo do entorno da Borborema, dentre outros avanços, parte deles feitos pelo próprio autor que discutiu o tema nas décadas seguintes de sua longa carreira que só teve com o fim da sua própria vida no ano de 2012, mais de 50 anos após a publicação desse texto.
Me salta aos olhos a atividade de pesquisa científica de grande profundidade e enorme repercussão produzida pela Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB) da época. Nesse texto Ab’Sáber deixa clara sua filiação à AGB e sua parceria com “colegas da AGB pernambucana, professores Mário Lacerda de Melo, Hilton Sette, Gilberto Osório de Andrade e Manoel Correia de Andrade” com quem havia realizado uma série de pesquisas no ano anterior. Há décadas a AGB não se dedica há trabalhos acadêmicOS desta profundidade e que repercutem por décadas como este que tem quase 70 anos de publicação e segue como referência - estudo o qual, humildemente, Ab’Sáber intitulou como a “apresentação de algumas notas prévias seletivas, pretendendo tornar conhecidos, desta forma, os aspectos da Geomorfologia nordestina, que mais lhe pareceram dignos de menção”.
Estas áreas, denominadas depressões semiáridas do Nordeste por Ab’Sáber, têm cada vez mais sido referidas genericamente como superfícies de aplainamento, principalmente pela dificuldade de realizar publicações internacionais referindo a área como depressão, pois não houve atividade tectônica que justificasse o termo. Considere-se que muitos pesquisadores que estudam a área atualmente têm grande parte de suas publicações nos principais periódicos do mundo em termos de ciências da terra. Vale mencionar ainda que Sistema Brasileiro de Classificação Relevo, ainda em suas primeiras ações, tem adotado a nova terminologia, contudo o texto “DEPRESSÕES PERIFÉRICAS E DEPRESSÕES SEMIÁRIDAS NO NORDESTE DO BRASIL” segue referência obrigatória, como marco nos estudos na compreensão da geomorfologia do Brasil